Para ser eterno: já bastava ser Ídolo Colorado, liderar o Inter em suas principais conquistas. Mas, Fernandão, além de tudo isto, se encarregou de criar um elo que nem mesmo o tempo é capaz de apagar
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| Clássica comemoração de Fernandão em seus gols; punho fechado, mão no coração e olhar para as arquibancadas |
11 anos de idade e um sonho: ver o Inter vencedor. Bah... tinha que amar de verdade o Colorado para suportar. Não era nada fácil, os gremistas esbanjavam suas conquistas dos anos 80 e 90, e tu tinhas que aguentar sarro até de professores na sala - que, por muitas vezes, cantavam o hino Tricolor e faziam chacotas para o nosso lado.
Meu refúgio, como sempre, era meu "avô-pai" - denominado assim por ter me criado desde os 2 anos de idade. Seu Aldo, mais conhecido como Gringo, era um Colorado fanático e dono de um pequeno bar. Passava horas e horas nesse bar, principalmente quando ele contava as gloriosas conquistas do Inter dos anos 70. Um futebol vencedor, de técnica, qualidade e que enchia os olhos. O Inter de Paulo Roberto Falcão e do artilheiro Valdomiro.
Eu viajava na imaginação e me perguntava: Será que algum dia o Inter repetirá essas glórias? Será que algum dia surgirá um comandante como Falcão e um artilheiro como Valdomiro? E a pergunta que mais me questionava: Quem é teu Ídolo?
Sempre curioso, procurava saber e ler tudo sobre o Inter. Como não tinha internet em casa, lia os jornais todos os dias, começando pela parte do esporte, claro. Lendo aquele jornal do ano de 2004, a notícia era que o recém chegado Fernandão já estava apto a jogar e sua estreia seria no grenal.
Primeiras impressões do novo contratado: "esse cara me lembra, fisicamente, o Che Guevara"; "cabelo maneiro, será que fica tri em mim?"; "deve ser bom de cabeça, ele tem quase o dobro da minha altura!". Mesmo com apenas 11 anos, senti uma energia diferente pairando sobre mim naquele momento; era uma sensação estranha, não conseguia reconhecer. Aquilo me intrigou e pensei: o que tem esse cara afinal? E por alguns segundos, pelo menos naquele espaço que me encontrava, o tempo parou quando li em voz alta a última frase da matéria: "E amanhã, no Gre-Nal 360, será a estreia dele, Fernandão". Esta frase ficou ecoando por horas dentro da minha cabeça.
Logo em seu primeiro jogo, logo em seu primeiro grenal: Fernandão fazia o gol 1000 do Clássico
10 de julho de 2004: onde tudo começou - de forma oficial. Fernandão entra e, predestinado que era, cabeceia sem chances para o goleiro. O gol 1000 em grenais estava feito. Inter vence o jogo e fica como detentor do gol histórico. Fiquei em êxtase puro. Mesmo cedo, tinha resposta para o que me intrigava. E mais do que isto: eu tinha um Ídolo!
O Tri do Gauchão e o bi-rebaixamento do rival foram dois motivos para frear um pouco os gremistas. Mas a pergunta era: ficaremos só nisto? Veio 2005, junto com ele: o Tetra Gaúcho. O time voava. Fernandão já começava a exercer sua liderança e, juntamente com Sóbis, não parava de marcar gols.
Todo mundo sabe que o Brasileiro de 2005 foi nosso. Fizemos tudo certo, mas, infelizmente, nos tiraram na mão grande. Meu vô, como sempre, me consolava, mas senti que ele também estava com muita raiva e decepcionado com os rumos que o futebol tinha tomado fora das 4 linhas. O ano do quase chegava ao fim. Mas dias melhores viriam, e viriam da melhor forma possível.
Em 2006, com 12 pra 13 anos, queria ser exatamente como meu ídolo. Deixei o cabelo crescer, coloquei uma faixa nele e, mesmo sendo tri baixinho, tentava fazer muitos gols de cabeça. Naquele momento da vida, tinha 3 sonhos: ver o Inter ganhar uma Libertadores, um Mundial e, de uma vez por todas, meu avô reconhecer que o Fernandão jogava muita bola - não sei o motivo, mas ele nunca dava o braço a torcer, nunca admitia a qualidade do F9.
Ele também não gostava de demonstrar sentimentos, mas torcia muito, não perdia um jogo (odiava que falassem na hora do jogo - se falassem, ele saia da frente da TV). Foi nessa época que criamos os maiores e melhores momentos juntos: assistindo jogos do Inter e vibrando com os gols de Fernandão.
E foi com um gol e um passe na final contra o São-Paulo que Fernandão garantia nossa primeira Libertadores. PUTA QUE PARIU, CARA, O INTER TINHA, FINALMENTE, GANHADO A LIBERTADORES DA AMÉRICA! (fiquei uma semana sem falar, mas valeu cada grito)
Chegamos em dezembro e eu tava mais louco que o padre do balão. Barcelona de Ronaldinho! Tirando nós Colorados, todos diziam: Inter será massacrado, vai ser triste de ver. Realmente foi triste... para quem secou!
Fernandão deixou de lado o protagonismo de ser centroavante - tudo para marcar, organizar e deixar o time encaixado, neutralizando completamente o adversário. Nem mesmo o glorioso Inter dos anos 70 tinha chegado tão longe.
Dos vários ensinamentos que aprendi com F9, o mais importante: jamais desistir. E com toda nobreza e humildade que um líder vencedor precisa ter, deu seu lugar para Gabirú. Fernandão não desistia do jogo, mas, com sua substituição, dava o Mundial para nós.
Dizem que meu avô nunca chorou na vida, nem quando nasceu, mas quando ele saiu quieto para abrir o bar - logo após a partida, eu sabia, este dia chegou.
O tempo passa, e com ele: ciclos vão se encerrando. O ano era 2008, e mesmo com as diversas conquistas de Fernandão, meu avó me frustrava ao nunca elogiá-lo - e ele sabia disto. Mais frustrante ainda foi a saída do F9 do Inter. Como disse, tudo tem seu ciclo, mas a despedida, mesmo sendo sempre dolorosa, podia ter sido de uma forma mais respeitosa ao atleta.
Eu tava revoltado e prometi para mim mesmo: cabelo grande: nunca mais (e realmente nunca mais deixei). O corte de cabelo representava o fim daqueles 4 anos incríveis da minha vida. Um mês depois, revendo os gols do Inter na LA 2006, meu vô sentou-se ao lado e, por alguns minutos, assistiu comigo.
E quando menos imaginava, pensava que não aconteceria, eis que surge a frase tão sonhada: "É BOM ESSE FERNANDÃO!". O tempo parou. O ar congelou. A respiração travou. Os olhos brilharam. Um olhar, um leve sorriso e aquela frase ecoava em mim. Quando voltei à realidade, só escutei seus passos indo em direção ao quarto. Meu avó, finalmente, tinha elogiado o meu ídolo. Parece algo bobo, mas para mim, naquele momento, foi o melhor presente que ele podia ter me dado.
Na hora não sabia, mas esta frase, seria a última de seu Aldo. Algumas horas depois, acordei com o barulho do carro do meu tio saído rapidamente de casa. De manhã, a notícia: meu avó havia falecido, mesmo sendo uma pessoa que nunca sequer tinha frequentado um hospital.
Segundo os mais velhos, a pessoa sempre ficará viva enquanto lembrarmos da última frase que ela nos disse .
Então, além de ser meu grande ídolo, além das conquistas pelo clube que amo e daria minha vida, Fernandão representava agora o elo eterno entre eu e meu Avô-Pai.
Então, além de ser meu grande ídolo, além das conquistas pelo clube que amo e daria minha vida, Fernandão representava agora o elo eterno entre eu e meu Avô-Pai.
Ano após ano foi passando. Ciclos começando, outros terminando. Pessoas chegando, outras partindo. Rosto muda, corpo também. Pensamentos ficam mais profundos, loucos, insanos e responsabilidades aumentam. Novos sonhos e objetivos nascem, outros: deixamos para trás. Mas algumas coisas ficam: o amor pelo Inter; os amigos de verdade, a saudade...
O ano de 2014 foi de altos e baixos, tanto para o Inter quanto para mim. Mas aquela festa de reinauguração do Beira-Rio foi o melhor momento dele.
Fernandão, mais do que justamente, pisava novamente no gramado que o consagrou.
F9, novamente, chamava o povo Colorado e levantava todos no estádio.
Para ser ídolo não basta fazer gols decisivos, colocar faixas no peito e ser um bom jogador. Para ser ídolo é preciso viver o clube, sentir o que cada torcedor sente durante uma partida; ser capaz de liderar um grupo, um time, uma torcida inteira.
Nunca existiu uma parceria tão linda quanto Beira-Rio e Fernandão - e, talvez, só ambos sabiam que ali, naquele momento mágico, seria o adeus...
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| Quem, ao ver o Beira-Rio reinaugurado, não imaginou Fernandão vestido com o Manto Sagrado? |
Quis o destino que no dia 7 de junho de 2014: o Ídolo; o cara que me ensinou a jamais desistir; que me ensinou a lutar; acreditar que se eu quiser e fizer por merecer, chego nos meus sonhos; o cara que é a ligação entre eu e meu finado pai saísse desta vida e partisse para um outro plano, outra dimensão.
Mesmo sendo ateu, onde estejas, F9, saibas que torço (como nos jogos em que tu jogavas) que estejas em paz e feliz.
Domingo faz 1 ano que tu comandas o Inter de um novo mundo. Mas saibas que quando entro no Beira-Rio, aquela mesma energia que senti quando li seu nome pela primeira vez no jornal, sinto quando estou lá dentro.
Saudade, apesar da ambiguidade, é algo bom, porque não sentimos saudade do que foi ruim.
Então, Fernando Lúcio da Costa, saibas que tu és eterno. Estaremos contigo, para sempre! Levaremos tu nos dois lugares mais preciosos que podemos levar alguém: dentro da alma e no fundo do coração.
Patrick Aguirre






Emocionada e sem palavras!
ResponderExcluirTudo que está escrito no texto são momentos que vivi entre minha infância e adolescência. Para mim é emocionante demais. Mexe com boa parte da minha vida.
ExcluirEmocionada e sem palavras!
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