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segunda-feira, 9 de março de 2015

Pressa, a inimiga do talento

O futebol é um esporte muito dinâmico – provavelmente o mais dinâmico que existe. Tudo pode estar funcionando bem, o clube possuir um ambiente agradável, mas dar uma volta de cento e oitenta graus instantaneamente. Basta uma derrota em um jogo importante, uma má atuação em um clássico ou uma pressão da torcida para o clima ficar nublado.

(Foto: Globoesporte.com)
Esse cenário é ainda mais evidente no futebol brasileiro. Somos movidos pelo imediatismo em todos os setores do nosso esporte. Desde cobrar que uma nova diretoria resolva todos os problemas do clube logo após a posse até querer que um jogador se torne o novo Pelé assim que chega à equipe. Essa é a situação que vive o jovem meia argentino, Lucas Mugni.

Contratado no inicio de 2013 para ser o armador do time do Flamengo, Mugni ainda não conseguiu deslanchar no futebol brasileiro. Cercado de expectativa em sua chegada, o hermano foi alvo da torcida por sua alternância entre bons e maus momentos desde os primeiros jogos com a camisa rubro-negra. No último sábado, em partida contra o Friburguense, pelo Carioca, o jogador foi visado novamente pela torcida presente no Estádio Nilton Santos.

Em entrevista coletiva, o técnico do Flamengo, Vanderlei Luxemburgo, saiu em defesa do “enganche”, afirmando que as vaias foram injustas. E, realmente, foram. Vimos dois times completamente distintos nessa partida: no primeiro tempo, um time agudo, rápido e objetivo; no segundo, um time mais cadenciado, até moroso, preservando a vantagem construída antes do intervalo. Na primeira metade, o argentino foi bastante participativo. Tentou buscar o jogo e se movimentar ao máximo, assim como todo o sistema ofensivo. Verdade que aos poucos seu rendimento foi caindo conforme outros jogadores foram se destacando, mas isso não apaga a boa primeira parte de jogo feita pelo argentino.

Só é cobrado quem pode entregar. E é de conhecimento geral o talento que o meia possui, demonstrado no inicio de sua carreira. Entretanto, temos que analisar os fatores que estão dificultando seu desenvolvimento antes de apenas criticá-lo dizendo que ele não é um bom jogador. Primeiramente, Lucas possui apenas pouco mais de cem jogos como profissional – cento e dezessete para precisar; chegou ao Flamengo com apenas setenta e dois. Na Argentina os jogadores não são efetivados nos profissionais com 17 anos, como muitas vezes ocorre por aqui. Apesar de ter estreado com 18 anos pelo Colón, Mugni só foi presença regular na equipe dois anos depois, em 2012. Apesar de “já” possuir 23 anos, o argentino ainda é muito inexperiente e, consequentemente, imaturo.

(Foto: Imortaisdofutebol.com)
Como no Flamengo Zico é a maior referência de craque, usemos o próprio neste caso. A primeira aparição do Galinho na equipe profissional foi em 1971 – contra o Vasco, onde ele mesmo deu o passe para Fio Maravilha decretar a vitória rubro-negra por 2x1. Àquela época, o futuro maior ídolo da história do clube já demonstrava todo o seu talento e todos sabiam que se tratava de um jogador especial. Contudo, apenas em 1974 foi se firmar na equipe. A partir de então, seu futebol foi se desenvolvendo e, anos depois, se tornou o craque que todos os flamenguistas reverenciam até hoje. Agora eu questiono: Se até o Zico levou alguns anos para se tornar o que se tornou, como cobrar de um garoto que não havia nem feito cem jogos quando foi contratado, recém-chegado de outro país e com um peso enorme em suas costas se torne um grande maestro de imediato? Para usar um exemplo mais próximo, Dario Conca chegou ao Brasil em 2007, contratado pelo Vasco, e só se adaptou nos anos seguintes, já atuando pelo Fluminense – e já chegou ao nosso país carregando mais bagagem do que Mugni. Soma-se a isso a perceptível dificuldade de se adaptar ao país e pronto, cenário perfeito para criticas ao jovem argentino.

Assim como Lucas, vimos outros jogadores muito promissores sucumbirem à pressão exacerbada recentemente; Adryan é, certamente, o maior exemplo limitando-nos a falar de Flamengo. Mas essa situação não é exclusiva de um ou dois clubes, é geral. Jovens, muitas vezes ainda garotos, são expostos à pressão de ter que entrar em campo e resolver todos os problemas de grandes clubes, mas a coisa não funciona dessa forma. Se o jogador não tiver tempo, uma boa estrutura ao seu redor e outros atletas mais experientes para guiá-lo e assumir essa tensão, não irá desenvolver seu talento em sua plenitude.

Podemos estar vendo mais um talento enorme sendo jogado no lixo em Lucas Mugni pelo imediatismo do futebol brasileiro. Assim como os treinadores precisam de tempo para trabalhar e acertar suas equipes, jogadores precisam de tempo para se adaptar e se desenvolver. Vaiar quem está dentro de campo não irá fazê-lo apresentar um melhor futebol. Pelo contrário, só irá colocar uma pressão extra em um jovem que já vive pressionado por vestir a camisa de um grande clube e que não tem casca suficiente para suportar a situação sem se afetar. Aos poucos, e sem perceber, estamos minando muitos talentos que poderiam deslanchar e se tornarem grandes craques. Se a situação continuar do jeito que está, não teremos tão cedo um novo jogador do nível de grandes nomes que marcaram a história do nosso futebol.

O que estamos fazendo com os nossos talentos?

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