Revolvendo o baú das minhas
memórias, volto ao recôndito ano de 98, quando o Galo contava com Valdir,
Marques, Lincoln, Paulo Baier e Lima; um grande time, sem grandes vitórias, mas
tomado pelas conquistas da raça e da imortalidade, que só o atleticano conhece
e ninguém é capaz de explicar.
O velho rádio sobre a mesa
na varanda anuncia o início da peleja. Willy Gonser desfia, magistralmente,
todos os heróicos nomes alvinegros, como se cantasse todos os milagres das
quatro linhas. A torcida, quase toda ela com o radinho colado à orelha, pede a
todos os santos para que não lhes falte o coração, para que lhes reforcem a
garganta, e, finalmente, para que o sofrimento lhes seja suportável.
A charanga puxa um sambinha
qualquer, até que se chegue ao majestoso hino do glorioso, solenemente cantado
por todos, como se entoassem uma compenetrada oração, um imprescindível mantra
rumo à vitória. Um rapazote, despido do manto sagrado, que agora balança sobre
sua cabeça, mastreada pelos seus braços finos, rege toda a massa, como se fosse
o maior maestro do mundo.
Nos céus, lentamente, o sol
se esconde por detrás de grossas nuvens acinzentadas. Uma chuva fria começa a
cair, lavando a alma alvinegra, reavivando a raça atleticana. O campo molhado
mais parece um campo de batalha, a espera dos imortais guerreiros, irmãos de
sangue, prontos a lutar pelo seu povo, sua massa imensa e apaixonada.
De repente, o silêncio toma
conta do gigante. Apenas a chuva dá o ar da sua graça, como que numa eterna
sinfonia orquestrada pelos deuses do futebol. E eis que o Galo entra em campo,
numa explosão de vozes, de aplausos e emoções. O juiz apita freneticamente o
seu apito; Willy narra o espetáculo, como se narrasse a maior de todas as
batalhas campais.
Enquanto isso, a assustada criança,
deitada na enorme bacia de roupas, vê o tio, que corre para lá e para cá, no
quintal de terra batida, gritando gritos de guerra, chutando bola de meia e
sonhando os títulos, as glórias, a emoção de ser alvinegro.
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